O investimento de Deep Silver nesse lançamento foi
alto e o projeto é realmente bem ambicioso: um mundo aberto
ambientado na Idade Média, com precisão histórica dos
acontecimentos e um sistema que faz todas as suas escolhas e
diálogos influenciarem no andamento da história. O visual é
estonteante, os personagens são complexos, mas nem tudo saiu como
esperado. Ainda assim, Kingdom Come: Deliverance é sem
dúvida um dos grandes lançamentos deste semestre.
Assim que começamos a rodar o jogo (testamos a versão
para PlayStation 4), é impossível não se incomodar com a demora
para que ele carregue. As telas de loading são algumas das mais
longas que já enfrentamos, superando até as de Just Cause
3, de 2015, que eram um verdadeiro pesadelo. Passado o teste
de paciência do loading, entramos no jogo propriamente dito e as
coisas enfim começam a mudar.
As primeiras duas ou três horas de jogo são
tranquilas, ou melhor, são tranquilas até demais. Suas missões
iniciais se limitam a comprar cerveja pro pai, jogar cocô na casa
de um desafeto (é, você leu isso mesmo), flertar com a gatinha do
vilarejo e tentar não arrumar confusão com os guardas do lugar.
Quando você começa a se entediar com a vida do protagonista Henry,
um misterioso exército inimigo ataca o lugar, destrói tudo e mata
todos que você ama. Ó vida, ó azar, aqui tudo começa a mudar!
Confesso que esse ataque inimigo deixa a gente
irritadíssimo (mérito para os desenvolvedores do jogo!),
querendo pegar uma espada e sair em busca de vingança. Mas a coisa
não é tão simples e começamos a entrar numa trama complexa que
envolve política, guerras e vinganças sangrentas.
Essa mudança de rumo da história é o momento em que o
RPG convencional vira um RPG de ação. Nesse sentido, é delicioso
curtir o clima medieval histórico do jogo, que não apela
gratuitamente para dragões, dungeons, anões mágicos ou feitiços
poderosos. O enredo é historicamente preciso e você precisa
responder por seus atos. Se você ficar muito tempo sem comer, vai
ficar fraco e, se tentar roubar comida, vai ser preso. E tem mais:
se comer algo estragado, vai passar mal. Sério! Tudo aqui tem
consequência, inclusive as coisas que você diz para outras pessoas.
Tudo influencia o rumo da história. E isso é lindo!
Na verdade, são esses pequenos detalhes que nos fazem
mergulhar na história e criar uma enorme empatia com Henry. Você
precisa ser responsável com a reputação do protagonista, porque
beber demais acaba em vexame e em ressaca, enquanto ser pego
roubando pode acabar com uma ficha criminal enorme. E cada um
desses detalhes impacta diretamente no desenrolar da história.
Dito tudo isso, é preciso reconhecer que Kingdom
Come: Deliverance é brilhantemente ambicioso e envolvente. Mas
isso tem um preço. O jogo é muito pesado para rodar e tem mais bugs
do que o normal. Alguns bugs são engraçados, mas outros atrapalham
o andamento da ação, como diálogos que se repetem e não se resolvem
ou situações em que um NPC (personagem não jogável) trava e você
não consegue sair da ação. Nessas horas tem que reiniciar o jogo e
temos relatos que jogadores da versão PC tiveram até que reiniciar
o computador nessas travadas. Na versão do PlayStation 4 que
testamos esse problema extremo não ocorreu.
Outro detalhe que incomoda é que nem sempre o
protagonista reage em um embate com a velocidade que deveria. Se
você está acostumado com um Assassin’s Creed ou um Far
Cry, nas quais a resposta dos golpes é bem precisa e rápida,
vai certamente estranhar muito até pegar os macetes para sobreviver
aos ataques inimigos. Se for um ataque em grupo, então, a coisa se
complica ainda mais.
No geral, Kingdom Come: Deliverance é um
jogo visualmente belíssimo, mas que nem sempre corresponde às
expectativas quanto à efetividade dos combates. No entanto,
considerando que foi um trabalho independente hercúleo do estúdio
tcheco Warhorse, o resultado foi surpreendente, com jeitão de game
padrão AAA.