GAMES 4U
 
29/09/2017

Redação Games4U

A união de mitologia e psicologia em Hellblade

Acao, PS4, PC 

Em determinado momento de Hellblade: Senua’s Sacrifice, vi a protagonista cair ao chão em completo desespero. Ensanguentada, suja e completamente desamparada, a jovem olhava ao redor totalmente tomada pelo medo, prestes a ser vítima de um destino terrível. O genuíno pavor em seus olhos partiu meu coração, em uma das cenas mais tristes e intensas que já experimentei em um jogo de videogame.

O novo trabalho da Ninja Theory é único em muitos sentidos, pois usa a mitologia nórdica para falar sobre distúrbios mentais, enquanto conta a jornada de uma jovem para salvar seu amado. Conhecemos Senua, uma guerreira celta que viu seu marido Dilion ser morto por bárbaros e agora viaja até o inferno da mitologia nórdica (Helheim) para desafiar a Deusa dos Mortos, Hella, e libertar sua alma.

Mas apesar de todos os perigos que a jovem enfrentará em sua missão, nenhum deles é mais assustador do que os que ela traz consigo, já que a guerreira é vítima de uma maldição que a persegue desde pequena e que faz com que ela tenha visões terríveis. Uma maldição que a jovem associa aos deuses é, na verdade, originária de uma doença, pois Senua sofre de diversos transtornos mentais - como a psicose, uma patologia que é marcada pelo distanciamento da realidade e que muitas vezes faz com que seu portador sofra de delírios e alucinações.

Assim, vemos a jovem entrar literalmente no inferno, em uma jornada que a levará aos limites físicos e mentais e uma das maiores virtudes de Hellblade está justamente em fazer com que o jogador sinta intensamente as provações pela qual sua heroína passa, desnudando desde o início o lado mais sombrio de sua protagonista.

Hellblade: Senua’s Sacrifice

Redação Games4U

Hellblade: Senua’s Sacrifice

O VERDADEIRO LADO NEGRO
Todo game quer que gostemos do seu herói e para isso é comum que ele nos apresente seu protagonista através de suas melhores características. A aparência adorável de Mario, a determinação Aloy (Horizon Zero Dawn) e a imponência de Kratos (God of War) são alguns dos aspectos que são apresentadas logo que conhecemos os personagens e que fazem com que rapidamente passemos a apreciá-los. Entretanto, Hellblade faz o caminho inverso ao retratar Senua inicialmente como uma pessoa “quebrada”, fazendo com que o jogador chegue até mesmo a duvidar dela, já que ao deixar claro que ela sofre de psicose, nunca realmente sabemos se o que ela vê é real.

Desse modo, começamos nossa jornada não sabendo ao certo sobre o que pensar desta jovem, que embarca em uma aventura cruel e desprovida de esperança, uma experiência que não é amenizada pelo game, que maltrata constantemente sua protagonista e a leva aos limites de sua sanidade.

Porém, aos poucos nos damos conta que na verdade a doença da protagonista é a grande responsável pelo seu martírio e a forma como o jogo usa seus recursos audiovisuais para retratar os transtornos de Senua é brilhante. As visões da garota, que são retratadas em grandes cutscenes e também em pequenos momentos durante o gameplay, nos revelam quão inconstante são as crises da garota, enquanto as vozes constantemente ouvidas pela jovem, que podem dar dicas importantes, mas que na maioria das vezes denigrem as ações da heroína, nos mostram como ela constantemente se deprecia e duvida de suas próprias ações, o que simboliza também um certo nível de depressão.

Situações que partem nossos corações, porém que nos fazem entender um pouco mais sobre a circunstância muitas vezes desesperadora pela qual uma pessoa com distúrbios mentais pode passar e ao vermos a forma extremamente humana com que Senua reage às situações pelas quais passa, entendemos que não importa se o que ela vê realmente acontece, pois para ela tudo aquilo é real.

Quando nos damos conta disso, passamos a conhecer verdadeiramente Senua e entender a grandiosidade de sua coragem e força. Conforme o jogo avança e a vemos superar suas adversidades, incluindo as que ela mesma se impõe, começamos a admirar a personagem e ao vermos sua história e o significado de sua relação com Dilion, entendemos suas motivações e realmente torcemos para que ela tenha sucesso em sua busca.

Como o próprio jogo diz: “as maiores batalhas são travadas em nossas mentes”. A forma como Senua enfrentar sua própria essência para seguir adiante toca nossos corações e demonstrar uma coragem tão grande quanto enfrentar uma tartaruga gigante, um império de animais-máquinas ou os próprios deuses.

Hellblade: Senua's Sacrifice

Redação Games4U

Hellblade: Senua's Sacrifice

UMA LUTA PELA VIDA
A jornada por Hellblade é uma descoberta constante. Não existem indicadores no game que marquem claramente a saúde da personagem ou dos inimigos, os tipos de ataque ou mesmo o local para onde devemos ir. Sem nunca pegar você pela mão, o game deixa que o jogador siga seu próprio caminho e, embora tenha uma estrutura linear, é surpreendente a forma como ele torna a experiência da descoberta de suas mecânicas em algo natural, através de pequenos indicadores que aparecem nos cenários ou nas roupas da própria personagem.

Claro que este sistema somente funciona pela estrutura extremamente simples do game, já que basicamente fazemos apenas duas coisas durante toda a aventura: resolver puzzles e combater os inimigos.

Os enigmas geralmente envolvem elementos do próprio cenário, em um interessante jogo de perspectiva que podem se tornar tornam enfadonhos no início do game, mas que acabam ganhando força conforme a aventura avança. Embora exista uma clara repetição de ideias nos puzzles, em determinados momentos o título nos surpreende com uma estrutura nova e que apesar de simples se torna muito interessante pelo senso de urgência que o jogo emprega, como ter que andar por um labirinto enquanto foge de um monstro.

Já os combates são um dos melhores aspectos e mostram que a Ninja Theory é uma mestra em mecânicas de batalha. Investindo em um sistema completamente diferente dos embates frenéticos de DMC (Devil May Cry), Hellblade traz embates pausados e ainda sim carregados de tensão.

Senua tem apenas alguns movimentos a sua disposição e, como não temos qualquer indicador sobre nossos tipos de ataques, somos sempre obrigados a experimentar novas opções de golpes e combos, enquanto buscamos um posicionamento vantajoso nas batalhas, já que nossos inimigos estão em maior número e são mais fortes.

Embora apareçam em pouca variedade, os inimigos têm um design interessante, sendo retratado como criaturas fortes e imponentes, mas que trazem um toque de primal com suas mascadas de batalha. Também é interessante como o jogo ainda consegue dar um toque de classe aos adversários através de alguns detalhes, como nos momentos em que abrem os braços antes da batalha, como que desafiando a heroína a feri-los.

Por outro lado, seu tamanho os torna lentos e isto fica evidente no estilo de luta de Senua, que usa sua agilidade para vencer a força bruta dos inimigos, gerando um combate de Davi e Golias que é sempre tensos pela superioridade de força e número de nossos inimigos e pela forma como cada um dos golpes tem peso e realmente parecem ferir nossos algozes e a heroína.

Os combates contra os chefes são especialmente empolgantes, mas é uma pena que em alguns momentos as batalhas se estendam demais, principalmente na etapa final do game.

Hellblade não inventou a roda. Ele não é o primeiro a tratar de transtornos mentais, mas a forma respeitosa e delicada com que fala sobre o tema, apresentando-o de uma forma mais palatável ao público através de uma história empolgante, é sem dúvida um exemplo a ser seguido. Sendo um título independente, ele soube lidar com sua clara falta de recursos e quais batalhas travar, concentrando suas forças em tornar Senua uma personagem crível, uma missão cumprida com louvor já que o visual da heroína é algumas vezes assustadoramente real.

Mesmo que os restantes dos elementos não apresentem os mesmos detalhes, como os cenários com poucos detalhes, o design artístico do game compensa estas pequenas falhas com seus ambientes grandiosos e a forma como o game compensa a falta de outros personagens ao inserir pequenos “filmes” é brilhante pelo modo competente como o recurso é empregado.

Um título icónico e forte candidato a jogo do ano pela sua qualidade e a forma como rompe barreiras para tratar de um assunto tão importante para nossa sociedade.

(Rafael Barbosa)

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