GAMES 4U
 
17/03/2019

Redação Games4U

Perfil Vivo Keyd: segredos revelados do anti-herói Tockers

E-Sports, Vivo Keyd, Tiro, Multiplayer, PC 

Quarta-feira, 10h05 da manhã. Devido a um pequeno trânsito na Marginal Tietê, em São Paulo, eu estava atrasado. Estava um tanto esbaforido, afinal, eu não gosto de chegar aos meus compromissos fora do horário marcado.

Assim que passei pela porta da Gaming House da Vivo Keyd, notei que o computador de Tockers, estava ligado e com o client de League of Legends iniciado. Entrei ainda me sentindo um pouco culpado na casa, passei os olhos rapidamente pela sala de treinamento, porém só fui encontrá-lo sentado junto a Klaus e Jockster na mesa da cozinha, tomando café e comendo um misto quente. Desacelerei e respirei.

“E então, vamos tirar essa matéria do papel?”, perguntei pro Tockers, enquanto esperava Klaus sair da cozinha para colocar açúcar no meu café. “Bora”, respondeu, comendo o final do misto em uma só mordida e levantando.

Tockers, sempre foi um jogador que não costuma chamar as atenções para si. Por isso, estava ansioso para saber o que havia mudado nele desde a última vez que nos falamos mais profundamente, na semana do fatídico “Eu não ligo pra você e nem para o país”, lá em 2017. Na época, o Meio abriu um pouco mais de sua personalidade ao afirmar que não se sente querido pela comunidade, mas que não tem problemas com isso, já que não se importa muito com sua imagem pública, apenas com sua carreira de jogador.

Prometi para ele que um dia faríamos um perfil mais completo, porque para entendermos jogadores aclamados do cenário, basta vermos suas conquistas, seu esforço diário e sua imagem perante a comunidade.

Mas quando vemos que nem conquistas e esforço superaram a falta da imagem, temos que mergulhar mais afundo no que transforma Gabriel Claumann - seu nome de nascimento - no maior anti-herói do cenário brasileiro de League.

“Pouco se sabe sobre mim”, diz Tockers. “Se tu pegar uma pessoa que chegou agora e vê a gente jogando, ela vai ver que eu arrumo treta, sou chato pra cara*** e falo mal de todo mundo. É isso que elas vão ver, é isso que elas querem ver, mas não vão saber que eu sou bem diferente disso”.

Após jogar Counter-Strike no começo da adolescência, Tockers migrou para o League of Legends ainda no servidor norte-americano, quando o jogo começou a crescer no Brasil. Do Bronze, passou para o Ouro, e do Ouro disparou para o Desafiante. Com Shini, formou a primeira equipe lá em 2013, a Mossad, mas foi com a AceZone e-Sports (junto com Yang, Piolho, Sarkis e Professor) que ganhou sua primeira notoriedade, em 2014. A equipe que, alguns meses depois e com a adição de outros jogadores, viraria INTZ e-Sports.

A ascensão histórica dos Intrépidos em 2015/16, tomando o CBLoL de assalto e vencendo três de quatro Etapas, ainda é considerada um marco no esporte eletrônico brasileiro. De jogadores secundários, Yang, Revolta, Tockers, micaO e Jockster rapidamente se transformaram em estrelas de suas posições, e coletivamente uma equipe que ficou dois anos sem sofrer sequer uma derrota em séries no CBLoL.

No entanto, o que era para ser a cereja num bolo magistral, acabou sendo o começo de uma mudança completa na vida da equipe e de seus integrantes.

“Às vezes acho que o melhor teria sido não vencer a EDG naquela estreia do Mundial 2016”, diz Tockers olhando além de mim. “Foi um dos momentos mais felizes da minha vida, mas foi daí pra baixo por ego que alguns jogadores da equipe criaram, dentre outras coisas”.

“Você criou?”, pergunto. “Não”, devolve o Meio.

“Eu tenho um estilo muito mais racional do que emocional”, comenta. “Por isso, se ganho algum jogo ou campeonato, não é do meu estilo sair pulando ou gritando. Mesmo com pessoas ao meu redor que fazem isso, eu não sou influenciado pelo ânimo delas por ter uma personalidade muito forte. Dificilmente sou impactado pelo que está acontecendo no jogo. Se estivermos ganhando ou perdendo, a minha visão está em qual será o próximo passo. O que podemos fazer para continuar na frente ou voltar para a partida”.

Líder da Red Canids dentro e fora de jogo, tockers foi coroado MVP da Primeira Etapa 2017 do CBLoL

Quando a Red Canids anunciou que YoDa, Meio reserva da equipe que ainda não havia disputado partidas no ano, entraria no lugar de Tockers, MVP do campeonato, para a disputa das semifinais da Primeira Etapa 2017, a maioria massiva da conversa foi em torno da grande provação que o “streamer” YoDa teria pela frente, ou como a Red Canids era a primeira a realmente surpreender com a escalação de um dos seus reservas – naquela época, a maioria dos subs era praticamente decorativo.

“Na verdade, mesmo após as cinco partidas que eu joguei bem, a torcida ainda pedia o YoDa. Eu tenho consciência disso”, diz Tockers calmamente. “Mas também que eu era muito melhor que ele e que eu sempre seria a melhor opção pra equipe. Claro que, em meio aos problemas que eu tive, precisei dar um passo para trás, e o YoDa aceitou o desafio”.

Com YoDa, a Red Canids bateu convincentemente a paiN Gaming por 3-1, aumentando a euforia e trunfo da história do Meio. Para Tockers, foi o outro lado da moeda.

“Ficou praticamente impossível abrir o Twitter ou outras mídias sociais, tamanha quantidade de pessoas me xingando e dizendo para nunca mais pisar em campo. Não era fácil lidar, ele é um nome muito grande e tem fãs muito fervorosos. No entanto, todos nós tínhamos ciência de que o importante ali era a equipe, e eles sabiam que eu era a melhor opção pra jogar. Me blindaram e não deixaram a comunidade impactar na nossa forma de jogar ou na nossa rotina”.

Talvez nem o Tockers se lembre muito bem, mas tenho em minha cabeça uma longa conversa – a primeira – que tivemos. Foi numa festa de comemoração do fim do IWCI no México, em 2016, em pleno domínio da INTZ no cenário brasileiro de League. Os brasileiros caíram para os russos da Hard Random (que viraria ser a Albus NoX Luna mais tarde) por 3-0 na semifinal, talvez a derrota que menos esperavam, e estavam abatidos, mas não os impediu de curtir um bom momento de folga e descontração entre o ano lotado que jogadores profissionais têm – ainda mais aqueles que vencem.

Para mim, ainda era meio difícil explicar como aqueles cinco jogadores encontraram uma fórmula mágica para funcionarem juntos e acabar com a concorrência no Brasil. Quando Revolta saiu da equipe, perderam a final da Segunda Etapa 2015, quando voltou, conquistaram a Primeira Etapa novamente (e futuramente iriam para o Mundial). De fato, os cinco, Yang, Revolta, Tockers, micaO e Jockster, pareciam perfeitos para jogarem lado a lado.

Tamanha era a sinergia e o poder da equipe que, após praticamente dois anos juntos, três títulos nacionais e quatro torneios internacionais disputados, criou-se uma mística entre a comunidade que eles seriam o tal “Exodia” da série de mangá Yu-Gi-Oh! – letais juntos, indiferentes se separados.

Após a separação do Mundial 2016 e todas as experiências separados em 2017, ano que Tockers foi o único a levantar uma taça (Yang e Revolta também, se contarmos o Rift Rivals 2017), a Vivo Keyd surpreendeu a todos ao tirar micaO e Jockster da INTZ e Tockers da Red Canids. Para os jogadores, era a oportunidade de formar um time capaz de reconquistar orgulho internacional para a região.

Aprendendo com erros do passado e batalhando contra os do presente - o ciclo natural das coisas, a Keyd de 2019 luta por uma vaga na Fase Eliminatória

E principalmente, os cinco estariam juntos novamente. O Exodia se formava mais uma vez. Seria o grande trunfo da Vivo Keyd, uma organização que, apesar de ter conquistado a Série dos Campeões em 2014, era zombada pela torcida adversária pela falta de títulos. Mas não mais. Se houvessem cartas no baralho que poderiam ser o super-trunfo dos Guerreiros para finalmente conquistar um caneco, estas eram elas.

A estreia não poderia ser mais emblemática: Keyd x INTZ. Com um 2-0, os cinco companheiros provavam que estavam prontos para escrever o próximo capítulo de suas histórias. Respiro. E é aí que estavam enganados.

A derrota na segunda rodada para a ProGaming por 2-0 foi um baque para a comunidade. A invencibilidade de 28 séries seguidas sem derrota em solo nacional, para os jogadores, não foi nada demais. Sabia que ainda voltariam a se acostumar a jogar juntos. Mas veio uma segunda derrota, e a corda apertou um pouco mais. E uma terceira, e a corda apertou um pouco mais.

A Keyd, ainda assim conseguiu seis vitórias que os colocaram na Fase Eliminatória. Era de conhecimento de todos que aqueles cinco jogadores viravam uma fera completamente diferente em séries Melhor de 5. Sua adaptabilidade, sua frieza... Respiro. 3-0 na CNB, 3-2 na Red Canids. E então, quando menos esperávamos, a corda apertou de vez.

Tockers olhou fixamente para baixo enquanto eu listava as surpresas negativas que a remontagem da lendária INTZ 2016 me trouxe na Keyd de 2018. Seu olhar não indicava indiferença, estava mais para alguém que já havia refletido – e conversado – muito a respeito de tudo aquilo. Pacientemente, ele me esperou terminar de tentar formular uma pergunta que mais parecia um desabafo.

"Você acha que foi ego?" – Pergunto finalmente, fazendo Tockers pela primeira vez levantar o olho.

"Mas precisava ter demorado um ano?" – Questiono. Tockers abre um sorriso, balançando a cabeça, e olha para cima.

“Ego é uma parada complicada, porque você não percebe que a maneira com que está vendo as coisas está sendo diferente porque tem algo que está mudando seu julgamento. Você vê uma coisa acontecendo e, ao invés de pensar o que todos pensariam, você enxerga algo diferente porque o ego está deturpando a sua visão. O resumo é que você sempre acha que está certo, e eu acho que a gente tinha um problema muito grande de ego e que a gente só conseguiu resolver depois que a vida deu muita porrada na gente. Foram necessárias duas Etapas, fomos lentos. Não foi fácil porque é preciso uma força de vontade muito grande para conseguir tirar esse ego de dentro de você”.

Na Keyd de 2018, a cobrança de tantos títulos e partidas vencidas no passado criou um monstro na cabeça de todos: ego

Coletivamente, a equipe conquistou um ego através de seus títulos e invencibilidade, além da visão quase sensacionalista que a torcida e a mídia tinham deles. Mesmo com os pés no chão, esses elogios agem igual às críticas repetidas da torcida. Eventualmente, a água penetra a rocha. Eventualmente, como um vírus, você eleva seu próprio patamar.

Eventualmente, aquilo lhe fada ao fracasso.

“Tínhamos um ego coletivo, mas o que foi realmente um problema foram os egos individuais. Foram os que não deixaram a gente evoluir, e não conseguimos lidar bem com isso. Quando egos fortes se chocam é muito complicado algum deles deixar o orgulho de lado. Não tínhamos muito bem uma coaching staff pra bater o pé e falar ‘é assim que a gente vai jogar’. Cada um queria colocar o seu estilo de jogo e ninguém abaixava a cabeça, então dava merda. Não conseguimos concordar em como jogar, nossos egos nos impediram de aceitar o ponto do outro”.

Mesmo quando atuavam sob a tutela de Abaxial, na INTZ, era claro para a maioria das pessoas que observavam o time que eles tinham uma mecânica diferente de como usar os técnicos. Fato é que Peter era a maior influência dos jogadores, apesar de ser o analista da equipe. Com tanto conhecimento estratégico adquirido após diversos campeonatos internacionais, era difícil ver algum técnico brasileiro que conseguisse controlar os cinco jogadores, e foi algo que Revolta falou para mim no início de 2018 que colocou isso em perspectiva. “O Galfi atua mais nos bastidores, não tanto no draft e estratégias”, disse-me o Caçador.

“Não havia nada que o Galfi pudesse ter feito de diferente para mudar aquela situação”, diz Tockers. “O problema estava na nossa mentalidade e ego. Decidimos quando nos juntamos que a situação (de não ter uma coaching staff robusta) não era ideal, mas que conseguiríamos lidar. Não conseguimos. Assumimos que seria difícil, mas achávamos que tínhamos maturidade e conhecimento suficientes para fazer funcionar, mas acho que no final das contas faltou alguém pra não necessariamente ensinar, mas sim colocar todos para jogar no mesmo ideal. É muito melhor os cinco fazerem algo errado do que cada um querer fazer o seu certo. Nosso time foi praticamente uma Solo Queue com comunicação. Todos eram mecanicamente muito bons, era pra gente destruir todos os adversários, mas não encaixávamos o jogo em equipe”.

A Segunda Etapa de 2018 foi ainda pior para os cinco jogadores. A conquista da vaga para as Eliminatórias veio apenas nos critérios de desempate após a última rodada, mas pouco adiantou. Caíram na segunda fase da Escalada para a CNB, por 3-2. “Depois de um tempo sem mudar e as pessoas ainda terem cabeça dura, você entra num modo de saber que as coisas não vão funcionar, e mesmo assim não fala nada. É um processo de pensar ‘está errado, mas se eu falar, as pessoas não vão aceitar, vão discutir, nada vai mudar e só vai gerar mais estresse, então eu só vou ficar quieto’. Isso é muito próprio da minha personalidade. É o ficar quieto e deixar as pessoas levarem o barco, porque eu acho que estou certo, mas as pessoas também acham, então prefiro evitar o conflito”, comenta Tockers.

E na verdade, a equipe não evitou tanto os conflitos. “Lavamos muita roupa suja. Muita mesmo. Infelizmente não foi o suficiente, era mais do que só desabafar”, completa.

De “coadjuvante” na INTZ à protagonista na Red Canids e Keyd

Após duas Etapas muito aquém do esperado para todos, ficou claro que algo precisava mudar. Revolta deixou a equipe para a Red Canids, Galfi também saiu. Para seus lugares, Laba e Nelson, ambos da região do Sudeste Asiático, foram contratados. Professor e Klaus também se juntaram à equipe para dividir posição com micaO e Jockster. A Keyd se reinventava.

“O Nelson foi muito bom em nos apontar uma direção e nos fazer treinar e trabalhar pra uma mesma filosofia de trabalho. Não necessariamente mudaríamos tanto apenas pela saída do Revolta, seria mais uma readaptação, já que ele é um jogador muito bom. A mudança não está na troca de peças, e sim nos aprendizados que tivemos no ano passado e no impacto da coaching staff desse ano”, diz Tockers.

“Fez bem para o micaO e o Jockster terem reservas, até porque o Klaus e o Professor possuem qualidades diferentes dos dois, e tem uma troca de experiências muito boas. Seria interessante ter uma pessoa que jogasse às vezes no meu lugar, já que eu sei que aprendo muito vendo a partida pelo lado de fora, como o time reage e funciona. O Yang talvez gostaria para ter alguém de estilo diferente do dele, e que ajudasse ele com os seus pontos fracos. No final, acho que seria bom termos reservas, mas no Brasil é bem difícil de achar, já que a maioria dos jogadores de alto nível já está em algum lugar. Caso encontremos, tem bastante chance de trazermos, porque atrapalhar não vai, e eu e o Yang estamos totalmente abertos a essa experiência. Se for de alto nível e puder jogar no nosso lugar, melhor ainda, o que importa é ser o melhor pra equipe”.

“Sinceramente o meu único objetivo hoje em dia é ser bom o suficiente para competir internacionalmente. Ser o jogador com mais jogos internacionais me dá bastante validação quando eu falo do cenário, da diferença de nível. Acho que isso é um dos ‘atos moralmente questionáveis’ que me fazem um anti-herói. Eu critico o nosso cenário, eu critico a nossa Solo Queue, mas eu não falo mal para denegrir o que temos, e sim porque eu quero ver melhora. Moralmente parece errado falar mal, mas eu quero que o nosso cenário seja respeitado, tanto que esse é o meu objetivo: ter uma equipe boa pra ir lá fora e não apanhar. Jogar de igual pra igual. Evoluir e ser respeitado lá fora”.

“Claro que a grande maioria dos jogadores tem esse mesmo sentimento e critica as coisas internas, mas acho que eu sou mais visto como um anti-herói por não ter medo de falar algumas coisas do cenário que outros jogadores não têm, como o que comentei do Flamengo”.

Em entrevista após a derrota para o Flamengo, na terceira rodada, Tockers disse que a equipe rubro-negra jogava de maneira unidimensional, ou seja, apenas com um estilo, o que rendeu duras críticas da comunidade e dos jogadores e staff flamenguistas. E se dói, como diz Tockers, é porque é verdade.

“Mas como eu comentei depois de ter perdido pra eles, em tese eu não deveria estar falando nada deles, só deveria abaixar a cabeça e ir pro cantinho. E é isso que eu não tenho medo de fazer. Fui taxado de burro e de arrogante, mas sendo verdade, vou criticar e vou apontar, doa a quem doer”.

Com o tempo correndo e muito material na mão, levantei e estendi a mão para Tockers, agradecendo a conversa. E acenando para Diego dentro da gaming house. Tockers se espreguiçou e levantou, olhando para o céu e o quintal da Keyd.

"Talvez algumas coisas caiam como bombas", adiantei, me referindo à matéria enquanto passava porta adentro para a sala de PCs da equipe. Tockers sentou-se confortavelmente no seu computador, clicando no botão de “Jogar” do Client.

"Sabe, às vezes as pessoas estão mais preocupadas em me ofender e julgar do que realmente parar e tentar entender o que eu estou falando ou fazendo."

(Bruno Pereira / @Leeonbutcher / ESPN Brasil)

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