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A primeira vez que testamos o jogo Inner Mazes: Souls Guides, do estúdio brasileiro Ilex Games, a surpresa foi inevitável: um game de puzzles, de plataforma, com profundidade 3D, que surpreende por adotar como personagens principais entidades e Orixás da Umbanda. Isso mesmo, um jogo totalmente brasileiro, que tem como tema uma religião brasileira.
Já disponível no Early Access do Steam, o jogo mostra a jornada espiritual de Lucas, um médium de Umbanda. No meio do caminho, ele encontra Exu (que recarrega suas energias com cachaça), Pombagira (que recarrega com vinho), Erê (que recarrega com doces) e Preto-Velho (que recarrega com café). Mesmo em inglês e voltado para o mercado externo, o game mantém todos os nomes das entidades em bom português.
Capitaneado pelos desenvolvedores de games Caio e Marcelo, do estúdio Ilex, o jogo tem consultoria direta de Janaína Azevedo, linguista, escritora e pesquisadora com diversos livros publicados com estudos sobre religiões de matriz afro.
Diante de um jogo tão bem elaborado e com embasamento sério na religião de matriz africana, batemos um papo com Marcelo e Caio para entender um pouco mais desse projeto.
Games4U: Esse é certamente o primeiro game
que trata abertamente de uma religão de matriz africana, ainda que
seja uma religião brasileira. O que os levou a optar por essa
temática?
Marcelo
: Desde que eu comecei a trabalhar com jogos,
sempre tentei mexer com uma temática nacional, mas muitas vezes
esbarrava em falta de uma equipe apropriada para tratar do tema.
Quando o Caio me propôs a ideia e me falou sobre o contato que ele
já tinha com a Janaína Azevedo, eu concordei na hora. Acho um tema
crítico em ser abordado, pois à medida que falamos sobre as coisas
mais abertamente, mais difícil é de proliferar o preconceito.
Caio: As religiões de matriz africana são
muito presentes no cotidiano do brasileiro, mesmo a maioria não se
dando conta disso. Mesmo o catolicismo popular aqui foi e é
tremendamente influenciado pelas práticas do Candomblé, da Umbanda,
da Jurema e tantas outras manifestações espiritualistas daqui.
Desde que eu tive contato pessoal com a Umbanda venho
progressivamente me dando conta dessa realidade. É como se depois
de conhecer a Umbanda, um mundo inteiro se abriu. E não um mundo
novo, mas um mundo antigo, que estava lá o tempo todo e que eu
passei a enxergar. Em muitos aspectos o jogo reflete esse processo
de descoberta. O jogo é feito pro pessoal da Umbanda? É sim, mas
antes disso ele é feito para quem não conhece.
Como foi a participação da
pesquisadora/escritora Janaína Azevedo nesse processo?
Marcelo
: A Janaína, até agora, ficou mais nos
bastidores, orientando as mecânicas e a narrativa central do jogo.
O seu papel se tornará ainda mais central à medida que sairmos do
estágio de Acesso Antecipado [Steam] do jogo, pois será quando
iremos começar a incluir uma narrativa mais direta e pesada.
Caio: Tem muita coisa sobre religiões de
matriz africana que não pode ser dita somente com base na
experiência individual. A nossa intenção é que o maior número
possível de pessoas se sinta representado, então queremos tratar da
essência do espiritualismo brasileiro e falar do que aproxima e não
do que afasta. As práticas e doutrinas são bastante diversas,
variando muito de terreiro para terreiro e é preciso uma
especialista para saber o que pode ser dito com certeza ou não.
Os detalhes dos itens de recuperação de
vida — cachaça, doces, café — são muito curiosos e dão um
toque realmente especial ao gameplay. Como exatamente surgiu essa
ideia?
Caio
: Na primeira versão, esses itens não existiam.
Era uma barra de energia só compartilhada entre todos as entidades
e a única forma de recuperar "axé" era através do Preto
Velho.
Marcelo: Nós começamos a fazer os primeiros
testes no jogo e percebemos que quando a barra de energia é muito
grande o jogador não consegue contar direito quantos pontos de ação
ainda tem e fica mais "bagunçado" o desafio na cabeça da pessoa.
Foi então que pensamos em usar itens ligados ao personagem que
recupera a sua energia. Desta forma, temos mais um elemento não
textual que conta um pouco sobre a entidade e ao mesmo tempo
criamos bolsões de desafios que fica mais claro as possibilidades
de solução esperadas do jogador para terminar a fase.
Caio: Esse tipo de elemento não textual é
importante porque coloca um pouco da vivência do umbandista no
jogo. Servir as entidades é uma parte muito importante da prática e
esse foi o nosso jeito de incluir isso de uma forma pouco invasiva,
afinal qualquer gamer reconhece a mecânica de itens de energia.
Garrafa pra Exu, Taça para a Pombagira, doce para Erê, Café para
Preto Velho: esses elementos são facilmente reconhecíveis para quem
conhece a prática. Tanto é que o jogo não diz que a garrafa é
cachaça e mesmo assim você sabe o que é. Não queremos esfregar a
religiosidade no nariz das pessoas. Acho legal na medida do
possível a gente manter aquela mística da coisa que tá lá o tempo
todo e só quem conhece do assunto consegue entender 100%.
Na versão que testamos, Inner
Mazes não é exatamente um jogo fácil: os puzzles exigem muitas
vezes soluções nada óbvias. Haverá um balanceamento do nível de
dificuldade na versão final?
Caio
: Fazer puzzles é uma tarefa complicada, porque
pra quem faz tudo parece muito simples, então é difícil ter a
objetividade. Em outros tipos de jogo é mais fácil para o designer
testar curva de aprendizado fingindo que ele é iniciante. Num jogo
de ação, por exemplo, você pode se dar um handicap e tentar ver o
quão difícil é passar tudo sem tomar dano. Já em um puzzle, é bem
mais complicado você fingir que não lembra e tentar reproduzir o
processo de resolução. O jeito é testar, testar e testar. E estamos
testando.
Marcelo: Até chegarmos à versão final,
iremos explorando várias alterações nas fases para tornar o aumento
de dificuldade mais lento e dar mais tempo para o jogador exercitar
uma mecânica em diversos tipos de desafios antes de introduzir um
novo. Mas, com certeza, por se tratar de um jogo de quebra-cabeça,
teremos alguns bem desafiadores mas podem vir a ser fases extras
acessíveis para quem quer "platinar" o jogo, como o Caio fez no
Face It.
Greenlight, Early Access… Como está
Inner Mazes neste momento no Steam?
Marcelo
: O Inner Mazes: Souls Guides já foi
aprovado no Greenlight e foi lançado em modo Early Access. O nosso
plano é lançar a versão final do jogo antes da metade de 2018. Ou
seja, podem esperar várias alterações!
Há planos para lançá-lo para consoles e
mobiles?
Marcelo
: Existe um plano para lançarmos para console,
mas só vamos começar a tratar disso quando a versão de computador
estiver funcionando muito bem e já praticamente finalizada. Já
sobre o mobile, o jogo precisaria mudar muito e tinhamos decidido
que era melhor não fazer uma versão mobile. No entanto, o número de
pessoas pedindo uma versão para smartphone e/ou tablet foi tão
grande que estamos pensando em fazer um jogo para essas plataformas
também com essa temática, mas que já seja criado pensando
nisso.
Caio: PC e console são plataformas que têm
linguagem mais parecida, não só de visual mas principalmente de
gameplay. Até os públicos são mais próximos. O mesmo não acontece
com mobile Não dá simplesmente para portar o jogo para PC e chamar
de versão mobile.
Vocês têm outros títulos no Steam
[Face It, Inner Demons Pack, Puzzles and Mazes], qual
deles teve melhor repercussão até agora?
Marcelo
: Até agora, o nosso jogo que teve maior
repercussão foi o Soul Gambler. Mas, ele também tem muito
mais tempo no mercado o que também impacta bastante. Eu acredito
que o Inner Mazes: Souls Guides tem um potencial ainda
maior pela carência de jogos sobre esse tema específico.
Caio: Eu já pensei muito a respeito de qual
é o segredo do Soul Gambler. Só consegui descobrir que o
que é feito em cima de clássico e mantém a essência do clássico
está fadado a funcionar bem, porque o clássico atinge o chamado "eu
universal".
Considerando esses quatro títulos do
Steam, pelo jeito vocês gostam bastante de puzzles com temáticas
espiritualistas, não?
Marcelo
: Com certeza, e não apenas puzzles. Essa
temática me intriga desde os meus 12 anos e vejo como algo muito
bonito e interessante per se, sem nem entrar no mérito da relação
das pessoas com as suas crenças.
Caio: O importante é ser interessante. Acho
que tratar de temáticas espiritualistas tem sido um caminho natural
pra gente porque é sempre mais fácil fazer coisas interessantes
quando se fala sobre assuntos dos quais se tem algum conhecimento.
Não é a toa que toda obra interessante envolve alguma pesquisa.
(Fernando Souza Filho)