GAMES 4U
 
22/01/2018

Redação Games4U

Orixás são protagonistas do game Inner Mazes

Puzzle, 

A primeira vez que testamos o jogo Inner Mazes: Souls Guides, do estúdio brasileiro Ilex Games, a surpresa foi inevitável: um game de puzzles, de plataforma, com profundidade 3D, que surpreende por adotar como personagens principais entidades e Orixás da Umbanda. Isso mesmo, um jogo totalmente brasileiro, que tem como tema uma religião brasileira.

Já disponível no Early Access do Steam, o jogo mostra a jornada espiritual de Lucas, um médium de Umbanda. No meio do caminho, ele encontra Exu (que recarrega suas energias com cachaça), Pombagira (que recarrega com vinho), Erê (que recarrega com doces) e Preto-Velho (que recarrega com café). Mesmo em inglês e voltado para o mercado externo, o game mantém todos os nomes das entidades em bom português.

Capitaneado pelos desenvolvedores de games Caio e Marcelo, do  estúdio Ilex, o jogo tem consultoria direta de Janaína Azevedo, linguista, escritora e pesquisadora com diversos livros publicados com estudos sobre religiões de matriz afro.

Diante de um jogo tão bem elaborado e com embasamento sério na religião de matriz africana, batemos um papo com Marcelo e Caio para entender um pouco mais desse projeto.

Caio e Marcelo

Games4U: Esse é certamente o primeiro game que trata abertamente de uma religão de matriz africana, ainda que seja uma religião brasileira. O que os levou a optar por essa temática?
Marcelo
: Desde que eu comecei a trabalhar com jogos, sempre tentei mexer com uma temática nacional, mas muitas vezes esbarrava em falta de uma equipe apropriada para tratar do tema. Quando o Caio me propôs a ideia e me falou sobre o contato que ele já tinha com a Janaína Azevedo, eu concordei na hora. Acho um tema crítico em ser abordado, pois à medida que falamos sobre as coisas mais abertamente, mais difícil é de proliferar o preconceito.
Caio: As religiões de matriz africana são muito presentes no cotidiano do brasileiro, mesmo a maioria não se dando conta disso. Mesmo o catolicismo popular aqui foi e é tremendamente influenciado pelas práticas do Candomblé, da Umbanda, da Jurema e tantas outras manifestações espiritualistas daqui. Desde que eu tive contato pessoal com a Umbanda venho progressivamente me dando conta dessa realidade. É como se depois de conhecer a Umbanda, um mundo inteiro se abriu. E não um mundo novo, mas um mundo antigo, que estava lá o tempo todo e que eu passei a enxergar. Em muitos aspectos o jogo reflete esse processo de descoberta. O jogo é feito pro pessoal da Umbanda? É sim, mas antes disso ele é feito para quem não conhece.

Como foi a participação da pesquisadora/escritora Janaína Azevedo nesse processo?
Marcelo
: A Janaína, até agora, ficou mais nos bastidores, orientando as mecânicas e a narrativa central do jogo. O seu papel se tornará ainda mais central à medida que sairmos do estágio de Acesso Antecipado [Steam] do jogo, pois será quando iremos começar a incluir uma narrativa mais direta e pesada.
Caio: Tem muita coisa sobre religiões de matriz africana que não pode ser dita somente com base na experiência individual. A nossa intenção é que o maior número possível de pessoas se sinta representado, então queremos tratar da essência do espiritualismo brasileiro e falar do que aproxima e não do que afasta. As práticas e doutrinas são bastante diversas, variando muito de terreiro para terreiro e é preciso uma especialista para saber o que pode ser dito com certeza ou não.

Os detalhes dos itens de recuperação de vida — cachaça, doces, café — são muito curiosos e dão um toque realmente especial ao gameplay. Como exatamente surgiu essa ideia?
Caio
: Na primeira versão, esses itens não existiam. Era uma barra de energia só compartilhada entre todos as entidades e a única forma de recuperar "axé" era através do Preto Velho.
Marcelo: Nós começamos a fazer os primeiros testes no jogo e percebemos que quando a barra de energia é muito grande o jogador não consegue contar direito quantos pontos de ação ainda tem e fica mais "bagunçado" o desafio na cabeça da pessoa. Foi então que pensamos em usar itens ligados ao personagem que recupera a sua energia. Desta forma, temos mais um elemento não textual que conta um pouco sobre a entidade e ao mesmo tempo criamos bolsões de desafios que fica mais claro as possibilidades de solução esperadas do jogador para terminar a fase.
Caio: Esse tipo de elemento não textual é importante porque coloca um pouco da vivência do umbandista no jogo. Servir as entidades é uma parte muito importante da prática e esse foi o nosso jeito de incluir isso de uma forma pouco invasiva, afinal qualquer gamer reconhece a mecânica de itens de energia. Garrafa pra Exu, Taça para a Pombagira, doce para Erê, Café para Preto Velho: esses elementos são facilmente reconhecíveis para quem conhece a prática. Tanto é que o jogo não diz que a garrafa é cachaça e mesmo assim você sabe o que é. Não queremos esfregar a religiosidade no nariz das pessoas. Acho legal na medida do possível a gente manter aquela mística da coisa que tá lá o tempo todo e só quem conhece do assunto consegue entender 100%.

Inner Mazes: Souls Guides

Redação Games4U

Inner Mazes: Souls Guides

Na versão que testamos, Inner Mazes não é exatamente um jogo fácil: os puzzles exigem muitas vezes soluções nada óbvias. Haverá um balanceamento do nível de dificuldade na versão final?
Caio
: Fazer puzzles é uma tarefa complicada, porque pra quem faz tudo parece muito simples, então é difícil ter a objetividade. Em outros tipos de jogo é mais fácil para o designer testar curva de aprendizado fingindo que ele é iniciante. Num jogo de ação, por exemplo, você pode se dar um handicap e tentar ver o quão difícil é passar tudo sem tomar dano. Já em um puzzle, é bem mais complicado você fingir que não lembra e tentar reproduzir o processo de resolução. O jeito é testar, testar e testar. E estamos testando.
Marcelo: Até chegarmos à versão final, iremos explorando várias alterações nas fases para tornar o aumento de dificuldade mais lento e dar mais tempo para o jogador exercitar uma mecânica em diversos tipos de desafios antes de introduzir um novo. Mas, com certeza, por se tratar de um jogo de quebra-cabeça, teremos alguns bem desafiadores mas podem vir a ser fases extras acessíveis para quem quer "platinar" o jogo, como o Caio fez no Face It.

Greenlight, Early Access… Como está Inner Mazes neste momento no Steam?
Marcelo
: O Inner Mazes: Souls Guides já foi aprovado no Greenlight e foi lançado em modo Early Access. O nosso plano é lançar a versão final do jogo antes da metade de 2018. Ou seja, podem esperar várias alterações!

Há planos para lançá-lo para consoles e mobiles?
Marcelo
: Existe um plano para lançarmos para console, mas só vamos começar a tratar disso quando a versão de computador estiver funcionando muito bem e já praticamente finalizada. Já sobre o mobile, o jogo precisaria mudar muito e tinhamos decidido que era melhor não fazer uma versão mobile. No entanto, o número de pessoas pedindo uma versão para smartphone e/ou tablet foi tão grande que estamos pensando em fazer um jogo para essas plataformas também com essa temática, mas que já seja criado pensando nisso.
Caio: PC e console são plataformas que têm linguagem mais parecida, não só de visual mas principalmente de gameplay. Até os públicos são mais próximos. O mesmo não acontece com mobile Não dá simplesmente para portar o jogo para PC e chamar de versão mobile.

Vocês têm outros títulos no Steam [Face It, Inner Demons Pack, Puzzles and Mazes], qual deles teve melhor repercussão até agora?
Marcelo
: Até agora, o nosso jogo que teve maior repercussão foi o Soul Gambler. Mas, ele também tem muito mais tempo no mercado o que também impacta bastante. Eu acredito que o Inner Mazes: Souls Guides tem um potencial ainda maior pela carência de jogos sobre esse tema específico.
Caio: Eu já pensei muito a respeito de qual é o segredo do Soul Gambler. Só consegui descobrir que o que é feito em cima de clássico e mantém a essência do clássico está fadado a funcionar bem, porque o clássico atinge o chamado "eu universal".

Considerando esses quatro títulos do Steam, pelo jeito vocês gostam bastante de puzzles com temáticas espiritualistas, não?
Marcelo
: Com certeza, e não apenas puzzles. Essa temática me intriga desde os meus 12 anos e vejo como algo muito bonito e interessante per se, sem nem entrar no mérito da relação das pessoas com as suas crenças.
Caio: O importante é ser interessante. Acho que tratar de temáticas espiritualistas tem sido um caminho natural pra gente porque é sempre mais fácil fazer coisas interessantes quando se fala sobre assuntos dos quais se tem algum conhecimento. Não é a toa que toda obra interessante envolve alguma pesquisa.

(Fernando Souza Filho)

compartilhe

Confira as notícias e vídeos do mundo dos games

New Pokémon Snap permite fotografar Pokémon
Resident Evil Village chega nesta semana já em português
Expansão coloca os EUA na batalha de Iron Harvest